Mais
de três anos depois do espetáculo televisivo produzido pelo cárcere
seguido de morte de Eloá Pimentel, com apenas 15 anos de idade, a mídia
se volta novamente para o caso dando fôlego, às mais diferentes teses
sobre o comportamento do jovem rapaz, Lindemberg Alves, em julgamento há
três dias. Por um lado, o psicopata, decepcionado e louco de amor; por
outro, a caricatura do Romeu arrependido, sofrido e que esbravejou,
também, em tom de loucura, que amava e queria Eloá. Em ambos, o amor ou o
que se pensa sobre o amor delineia o tom e encobre o que, de fato,
devemos debater. Definitivamente, não foi o amor que matou Eloá.
As
análises do caso se voltam, quase que completamente, para o
comportamento do jovem agressor. O assassinato é tomado por uma áurea de
debate comportamental individual, com privilégio total e absoluto, das
provocações subjetivas para que alguém possa ter cometido tamanha
atrocidade. Em nenhum momento, os policiais, psiquiatras, psicológos,
advogados.... convidados, pelos apresentadores de programas populares ou
não, ao tratar do caso em rede nacional, levantaram questões acerca do
que elaboramos sobre: sociedade patriarcal, machismo, violência de
gênero, feminicídio, banalização midiática da violência.. para falar dos
pontos que mais vem merecendo produção feminista, na academia e na
política.
Não
há problemas nem teóricos, nem políticos; nem muito menos midiáticos em
discorrer sobre o indivíduo. Muito pelo contrário, há muito que as
ciências humanas compreendem e elaboram a existência do indivíduo. No
entanto, há muito, também, que as mesmas ciências humanas, ao elaborar
sobre a relação indivíduo/sociedade, defendem que não devemos tomá-la de
maneira maniqueísta ou absolutizar, de forma tuteladora, o que
convencionamos chamar de social ou individual.
Falo
sobre isso, pois, o machismo é um fenômeno sócio-político-cultural mais
compreendido como genético que eu conheço sob a face da terra. De tão
arraigado, parece estar presente no DNA de homens e mulheres. O machismo
não paira no ar; nem corre no sangue de ninguém. É real, material e
identitário e se mostra, em toda a sua concretude, por meio de
comportamentos - individuais ou não; que se expressam dentro e fora de
casa; nos espaços públicos e privados; nos partidos, nas igrejas, no
estado. O machismo estrutura e é estruturado pela sociedade.
Nos comportamentos machistas, analisados, apenas, por sua "matriz" individual,
o que mais aparece são as teses sobre posse, honra e ciúmes. Ora,
ora... já desbaratamos que posse, honra e ciúme - repito - não são
"amor" e não contribuem, em nada, para garantir uma boa relação afetiva.
Nem para apimentá-la, como muitos preferem. Esta tríade potencializa a
feição mais tragi-romântica das chamadas histórias de amor e são
cantadas pela mídia, cotidianamente, nos casos mais famosos e nos mais
anônimos.
Lindemberg
não estava decepcionado amorosamente; decepcionados ficam qualquer um
de nós quando levamos um “fora”. Ele estava inconformado com a decisão
de Eloá em terminar a relação, que tudo indica, já tinha indícios de
violência seja física, psicológica ou moral. A mídia, em sua versão
conservadora, e graduados da ciência não tinham – e continuam sem ter - o
direito de fazer dela, algoz ao ter se recusado a "dialogar" com o moço
trabalhador, jovem e sofrido. Por ter assassinado Eloá, Lindemberg não
deixa de ser nem jovem, nem trabalhador, nem sofrido, nem psicopata – se
for o caso. Mas, estas características, que também tem expressão
individual e social, não inibem o machismo e suas múltiplas feições,
comportamentos, inclinações ou quaisquer nomenclaturas que o valham.
Não
defendo nenhuma forma de exposição pública de Lindemberg. De maneira
alguma. Ele precisa ser julgado, com base nos princípios de direitos
humanos, e condenado para que este não seja mais um caso - dentre tantos
outros – impunes pelo Estado e pela mídia. Ele, assim como muitos
(muitos, mesmo) homens, jovens ou não, também são vítimas (e fazem
vítimas), em diferentes graus, por conta do machismo, do homofobismo e
do racismo. Mas, o Estado, neste caso, prioritariamente, o poder
judiciário, não pode se pautar (e potencializar) a vertente
institucional do machismo que violenta ainda mais as mulheres, em
especial as mais jovens e pobres, que são as que mais permanecem em
relações violentas por medo do ponto crítico da violência: a morte.
Neste
caso, especificamente, resta saber, sob quais condições Lindemberg será
julgado e condenado. Chegou a hora, mais uma vez, de acompanharmos o comportamento do
Estado. Pois, o destino de Eloá já é conhecido. Ela morreu muitas vezes
ao longo de todos os dias em que seu desespero foi exposto frente à
imobilidade do Estado e da sociedade brasileira; morreu quando foi
julgada por não querer o “amor” de Lindemberg; morreu quando foi culpada
por ser tão bonita – “a mais bonita da escola” – e não ter querido
dialogar com um rapaz tão apaixonado; morreu quando teve sua vida
interrompida por tiros de revólver em sua virilha e rosto, que atingiram
sua identidade e sua sexualidade, numa profunda declaração de domínio e
controle sobre o corpo e a vida das mulheres.
Mas,
Eloá vive! Vive na luta que travamos todos os dias; vive na alegria que
vamos levar para avenida no carnaval de Fortaleza; vive em nossas
meninas e meninos que queremos que tenham uma vida livre de todas as
formas de opressão e violência, no presente e no futuro. Vive, pois não
abriremos mão de nossa identidade feminista, de fazer política e de
contribuir para a construção de uma outra sociedade. Lutemos em nome
dela, por nós e por cada uma de nós!
Nágyla
Drumond – Socióloga. Professora Universitária. Secretária Estadual de
Movimentos Sociais do PCdoB. Integra a Coordenação Estadual da UBM/Ce e
preside o Centro Socorro Abreu.
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