Em minha mocidade existia uma rua em Patamuté, a
dos Ferreiros. Ainda há. Uma rua nascida da tradição do povo, sem alcunha
oficial atribuída pelo poder público. Pequena, fazendo limite, ao fundo, com as
pedras disformes do mármore de Patamuté sobre as quais pastavam os animais.
Uns dizem ser rua dos Ferreiras, alusão ao nome de
uma família; outros, rua dos Ferreiros porque ali, contam, artesãos exerciam a
profissão de cunhar ferro a fogo, aquecido através de fole, uma geringonça que,
acionada manualmente, alimentava com ar as brasas para o ferro amolecer e ser
moldado. Daí, Ferreiros. Mas isto é assunto para a história e não para
reminiscências.
Reuníamos ali, às vezes, jovens e velhos.
Na década de 1960, quando lá só existiam vitrolas
movidas a pilha, porque em Patamuté não tinha energia elétrica, ouvíamos, entre
outros cantores, Gigliola Cinqüetti cantar “Dio come ti amo”, que embalava
nossos sonhos de jovens e tapetava a coragem para conquistar as primeiras
namoradas. Ali mesmo em qualquer casa cedida por um morador generoso, fazíamos
bailes, chamados de “assustados”.
Naquele tempo construí minhas primeiras amizades,
muitas delas reluto, até hoje, em perdê-las. São amigos que perduram,
ultrapassaram décadas e se firmaram na sinceridade. E quando é assim, difícil
acabar.
Sempre me perguntam quais são meus amigos, se os tenho,
se existem ou se diluíram no tempo e nos lugares por onde passei e morei, que
são muitos, vários. Também. Mas em alguns desses lugares permanecem amigos
ainda firmes. Em Patamuté, inclusive. Esses ficaram, certamente. Coisas da
juventude. Difícil de explicar.
Todavia, muitos amigos surgiram bem depois, quando
eu não vivia mais lá e não mais encontrava dificuldades na vida. E os grandes
amigos são aqueles que aparecem nos momentos mais difíceis. Como dizia Walter
Winchell, “amigo é aquele que chega quando as outras pessoas estão indo
embora”.
Minha formação de vida deu-se numa atmosfera de
muitos percalços. Tropecei, algumas vezes. Caí, outras tantas. Mas levantei-me.
E toda vez que me encontro na encruzilhada do tempo passado e do presente,
lembro das amizades adquiridas ao longo do caminho. E faço um balanço: valeu a
pena tê-las
WALTER ARAÚJO COSTA
advogado,escritor e jornalista.
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