Meus colegas de conclusão do curso ginasial
caíram na besteira de me escolher para orador da turma. Naquele tempo, a lei de
diretrizes e bases da educação permitia estrutura diferente para os cursos
regulares, que se denominavam primário, ginasial, colegial, clássico,
científico, etcetera.
Envaidecido com a escolha, passei a cuidar da
redação do discurso, mas me faltou terra, chão para pisar. Escaparam-me
condições intelectuais para construir uma peça oratória à altura da ocasião e
da expectativa dos colegas. O conhecimento era pouco, não tinha experiência,
faltava-me o traquejo de orador.
Fui socorrido por um amigo e colega de
trabalho na Prefeitura de Curaçá, Herval Francisco Félix. Condiscípulo de
verdade.
Herval teve uma educação rígida e
disciplinada à maneira dos seminaristas. Era louvável sua cuidadosa dedicação
ao vernáculo. Tinha sido meu professor de Português no Colégio Municipal
Professor Ivo Braga. Corrigiu meu texto, explicou a origem e o sentido das
palavras, ensinou a colocá-las nos lugares certos, coisa que até hoje não
aprendi. E preveniu-me de que todo e qualquer discurso deve fugir de atalhos
prolixos que o conduzam à dificuldade de entendimento.
O tempo passou implacável, como sempre passa,
ininterrupto, rumo à efemeridade da vida e à certeza da morte. Um dia, muitos
anos adiante, ao escrever um discurso de paraninfo, embasbaquei-me de tal
sorte, que não conseguia passar do primeiro parágrafo. Lembrei as lições do
mestre Herval na minha distante e baiana Curaçá da década de 1970 e fui
conduzindo o raciocínio consoante suas orientações, até chegar ao horizonte
previsto.
Completei o discurso mais com seus
ensinamentos do que com minha linha de raciocínio pobre, esquelética,
raquiticamente vazia. Poeta e admirador de Fernando Pessoa, Herval sabia, como
poucos, prender a atenção dos circunstantes e empregar as palavras certas em
suas intervenções orais. Mais ainda, tinha uma humildade impressionante, o que
lhe engrandecia sobremaneira. Sua vocação poética floreava a escrita, dava-lhe
significado lúdico, menos sério, mais interessante.
Em conversa recente com um amigo espirituoso
e gozador, ele comentou sobre o quanto é estéril, em tempo de internet, a
preocupação com o vernáculo, eloqüência, linguagem escorreita e outras coisas
mais. Há um desinteresse generalizado - entende ele - por tudo quanto diz
respeito à linguagem. Texto longo “ninguém lê, chega a ser uma gafe",
acrescentou: “Textos jurássicos é pra você, que gosta de ser inútil”. Confesso
que não sabia desta minha inutilidade. Já é tempo de me preocupar com o que
escrevo.
Não estou levantando questiúnculas de
gramaticóide. Não é minha praia, nem sou entendido no assunto. Mas dou razão ao
meu amigo e tenho saudade do tempo de estudante ginasial. Era bom aprender, ter
um professor como Herval Francisco Félix, que se retirou para a eternidade em
06.09.2012. É um desamparo para quem sempre o admirou...
WALTER ARAÚJO COSTA
advogado,escritor e jornalista
Em algum lugar, em um certo tempo, um comerciante viajando encontrou um homem numa praça de uma cidade, discursando para poucas pessoas, que na sua maioria nenhuma importância lhes dava, um mês depois encontrou na mesma cidade o mesmo homem com o mesmo discurso para um número pequeno de ouvintes, um ano depois o viajante resolveu interpelar aquele homem que estava sempre no mesmo lugar e com a mesma conversa e lhe falou; companheiro eu passo todos os meses aqui e vejo o Sr. batendo na mesma tecla, também percebo que a maioria não lhe dedica atenção alguma, porque continua? E o homem te respondeu, no dia que eu parar eh porque eles me venceram, como eu acredito nos meus princípios eu não desisto. Ticiano Félix.
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