26 de set. de 2013

WALTER ARAÚJO: CURAÇÁ EM TEMPO DE “ASA BRANCA”

Já se vão, por aí, mais de três décadas. Em 15.03.1980 um grupo de idealistas de Curaçá fundou o “Jornal Asa Branca”, uma consequência natural dos ventos soprados pela lei de anistia de 1979. Estávamos no início da chamada redemocratização, ainda na renhida luta dos brasileiros pelo fim dos governos militares (1964-1985).  Tempo politicamente difícil. Era perigoso contestar, discordar, sugerir, protestar.

O núcleo desses idealistas era formado por Omar Dias Torres (Babá) e Salvador Lopes Gonsalves e outros mais que gravitavam ao redor, dentre eles Antonieta Galdieri. E todos ávidos para mudar o estado de coisas imperante, principalmente em Curaçá.
              
Como não havia espaço, tampouco estrutura legal para a oposição abrigar-se em partidos políticos, a turma do “Jornal Asa Branca” engendrou uma brecha para se fazer presente em todo o território do município. Imiscuiu-se na zona rural, em fazendas, povoados, distritos. Aquela rapaziada inteligente maquinou, forjou e lançou o “Jornal Asa Branca” no seio de uma sociedade costumeiramente apática e acostumada a aceitar tudo e nada contestar.    
             
O “Jornal Asa Branca” era rudimentar, mimeografado, distribuído mais entre admiradores do que propriamente leitores. Estes eram poucos, pouquíssimos. O que contava não era a quantidade de exemplares, nem a periodicidade do jornal, mas a disseminação das ideias expostas. E eram ideias incomuns, por alguns até rotuladas de subversivas, porque estávamos ainda num período de censura à imprensa. Nem tudo podia ser dito, principalmente quando o que se dizia terminava ferindo interesses do “statu quo” e arranhando o poder, tanto na esfera municipal quanto nas estadual e federal.
             
“Fazer jornal é coisa de vagabundo” disse, em inflamado discurso na Sociedade dos Vaqueiros, um dos opositores do “Jornal Asa Branca”. Era assim o clima enfrentado por esses idealistas e persistentes curaçaenses.
             
As dificuldades eram muitas, visíveis, difíceis de contornar. Não tinha computador, as linhas telefônicas funcionavam precariamente, não existia internet e as informações eram colhidas diretamente pelos editores. E aí nascia a credibilidade do jornal, porque as fontes e informações eram checadas diretamente por seus responsáveis. A linha editorial cingia-se mais a ideias e menos a notícias. A filosofia era conscientizar, contradizer, orientar, arejar as mentes, desenferrujar os hábitos políticos.
             
Assim como o escritor, cantor e intelectual Chico Buarque de Holanda cutucava os militares dizendo “você não gosta de mim, mas sua filha gosta”, o pessoal do “Jornal Asa Branca” cutucava o grupo político do então prefeito Aristóteles de Oliveira Loureiro (Tote), incluído aí o líder inconteste da época e ex-prefeito Theodomiro Mendes da Silva, que tinha pavio curto e chegou a protagonizar alguns incidentes com o Jornal.
             
O “Jornal Asa Branca” foi o embrião que permitiu o esfacelamento das práticas políticas de então, piores que as de hoje, trouxe esperança para a população e abriu caminho para o surgimento de novas lideranças políticas no município. Se essas novas lideranças não corresponderam às expectativas dos curaçaenses, isto é outra história, mas destravaram o obscurantismo da época. É inegável.
               
A história recente de Curaçá também foi construída com a participação do “Jornal Asa Branca”. Seus abnegados fundadores ostentavam um preparo impressionante para lidar com situações adversas, espírito de luta e, sobretudo, vontade de transformar mentalidades, vontade essa arraigada em princípios incontrastáveis.
             
O livro “História da Imprensa de Curaçá”, do jornalista Maurízio Roberto Bim Moreira Ferndandes (Curaçá, 2008) foi generoso ao registrar, com absoluto rigor científico, esse período de luta do “Jornal Asa Branca”.

WALTER ARAÚJO COSTA 
advogado,escritor e jornalista.


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