Já se vão, por aí,
mais de três décadas. Em 15.03.1980 um grupo de idealistas de Curaçá fundou o
“Jornal Asa Branca”, uma consequência natural dos ventos soprados pela lei de
anistia de 1979. Estávamos no início da chamada redemocratização, ainda na renhida
luta dos brasileiros pelo fim dos governos militares (1964-1985). Tempo
politicamente difícil. Era perigoso contestar, discordar, sugerir, protestar.
O núcleo desses
idealistas era formado por Omar Dias Torres (Babá) e Salvador Lopes Gonsalves e
outros mais que gravitavam ao redor, dentre eles Antonieta Galdieri. E todos
ávidos para mudar o estado de coisas imperante, principalmente em Curaçá.
Como não havia
espaço, tampouco estrutura legal para a oposição abrigar-se em partidos
políticos, a turma do “Jornal Asa Branca” engendrou uma brecha para se fazer
presente em todo o território do município. Imiscuiu-se na zona rural, em
fazendas, povoados, distritos. Aquela rapaziada inteligente maquinou, forjou e
lançou o “Jornal Asa Branca” no seio de uma sociedade costumeiramente apática e
acostumada a aceitar tudo e nada contestar.
O “Jornal Asa Branca”
era rudimentar, mimeografado, distribuído mais entre admiradores do que
propriamente leitores. Estes eram poucos, pouquíssimos. O que contava não era a
quantidade de exemplares, nem a periodicidade do jornal, mas a disseminação das
ideias expostas. E eram ideias incomuns, por alguns até rotuladas de
subversivas, porque estávamos ainda num período de censura à imprensa. Nem tudo
podia ser dito, principalmente quando o que se dizia terminava ferindo
interesses do “statu quo” e arranhando o poder, tanto na esfera municipal
quanto nas estadual e federal.
“Fazer jornal é coisa
de vagabundo” disse, em inflamado discurso na Sociedade dos Vaqueiros, um dos
opositores do “Jornal Asa Branca”. Era assim o clima enfrentado por esses
idealistas e persistentes curaçaenses.
As dificuldades eram
muitas, visíveis, difíceis de contornar. Não tinha computador, as linhas
telefônicas funcionavam precariamente, não existia internet e as informações
eram colhidas diretamente pelos editores. E aí nascia a credibilidade do
jornal, porque as fontes e informações eram checadas diretamente por seus
responsáveis. A linha editorial cingia-se mais a ideias e menos a notícias. A
filosofia era conscientizar, contradizer, orientar, arejar as mentes,
desenferrujar os hábitos políticos.
Assim como o
escritor, cantor e intelectual Chico Buarque de Holanda cutucava os militares
dizendo “você não gosta de mim, mas sua filha gosta”, o pessoal do “Jornal Asa
Branca” cutucava o grupo político do então prefeito Aristóteles de Oliveira
Loureiro (Tote), incluído aí o líder inconteste da época e ex-prefeito
Theodomiro Mendes da Silva, que tinha pavio curto e chegou a protagonizar
alguns incidentes com o Jornal.
O “Jornal Asa Branca”
foi o embrião que permitiu o esfacelamento das práticas políticas de então,
piores que as de hoje, trouxe esperança para a população e abriu caminho para o
surgimento de novas lideranças políticas no município. Se essas novas
lideranças não corresponderam às expectativas dos curaçaenses, isto é outra
história, mas destravaram o obscurantismo da época. É inegável.
A história recente de
Curaçá também foi construída com a participação do “Jornal Asa Branca”. Seus
abnegados fundadores ostentavam um preparo impressionante para lidar com
situações adversas, espírito de luta e, sobretudo, vontade de transformar
mentalidades, vontade essa arraigada em princípios incontrastáveis.
O livro “História da
Imprensa de Curaçá”, do jornalista Maurízio Roberto Bim Moreira Ferndandes
(Curaçá, 2008) foi generoso ao registrar, com absoluto rigor científico, esse
período de luta do “Jornal Asa Branca”.
WALTER ARAÚJO COSTA
advogado,escritor e jornalista.
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