À minha frente, quando ergo a cabeça para ler o que escrevo vejo o
livro de Alfredo Macedo Gomes – Imaginário Social da Seca. Lembro o que
está lá dentro. Alfredo fez uma série de entrevistas e condensou em
dados e análises a visão que os próprios sertanejos têm do que é a seca.
Imaginam ser coisa de Deus. Em muitos casos, como castigo. O livro de
Alfredo está ladeado de relatórios de políticas públicas desenvolvidas
para o Semiárido Brasileiro – SAB – “Relatório do “PROHIDRO” e do
“Programa de Irrigação”; “Programa de Agroindústria e ProAlcool”,
“Projeto Sertanejo”, “PAPP”... Quanto papel !!!
Que os povos do sertão semiárido brasileiro sintam a seca como castigo,
no patamar cultural onde o mítico-religioso supera o conhecimento
sociohistórico é aceitável. Que se interprete assim o fenômeno, numa
área em que o Estado brasileiro nunca chegou com Educação
Contextualizada, com o mínimo de promoção da cultura local, do diálogo
entre saberes populares – saberes científicos, tudo bem. O que não é
aceitável é a seca “pegar” desprevenido os poderes constituídos em nossa
República. É a constatação viva do que representa e a quem serve o
Estado brasileiro.
A estiagem, a falta de chuvas é um fenômeno climático, natural,
portanto, do cotidiano dessas bandas do Brasil. O fenômeno
socioeconômico, decorrente dessas estiagens não. Esse é a expressão viva
de nossa incompetência. Na realidade, o termo “incompetência” não é o
mais adequado, pois não expressa corretamente o que acontece. Não é só
incompetência. É opção política. Isso mesmo: a seca no semiárido
brasileiro, como fenômeno sociológico de proporções dramáticas é fruto
da opção política do Estado brasileiro, dominado por interesses escusos
às necessidades populares.
São históricas as lições dos nossos povos do semiárido, de nossa
vegetação e da nossa fauna em sua arte de conviver com a estiagem. Nas
últimas duas décadas, sintetizamos e produzimos conhecimento científico,
tecnologias e técnicas suficientes para convivermos sem “aperreio” com
as longas estiagens. ONG’s, Embrapas, Emater’s e uma gama de
instituições governamentais e não governamentais já diagnosticaram e
propuseram políticas públicas para promovermos condições de se viver
dignamente nos sertões semiáridos do Brasil com a natural falta de
chuvas. Então, o que falta para pôr em prática essas técnicas,
tecnologias, conhecimento científico e saberes populares? Uma só
resposta: vontade Política. Não é outra coisa. E quando falta vontade
política, falta recursos financeiros, técnicos, carros, combustível e
todo um arsenal material e metodológico capaz de criar outra lógica de
desenvolvimento nas terras secas e boas do Brasil. E continuamos
despreparados e despreparando as gentes do semiárido brasileiro para
conviver com o fenômeno climático natural de seu território.
É importante lembrar que a “seca”, enquanto fenômeno climático
transforma-se no drama de muitos e na alegria de alguns. Alguns poucos,
em plena agonia dos sertanejos faturam econômica e politicamente nessas
crises. É cruel, parece desumano, mas é a pura verdade e obedece à
lógica do capital. Para dar um exemplo: já imaginaram quanto está
faturando a Bünge, com os atuais preços estratosféricos de seu farelo de
soja? Ela, monopólio absoluto no fornecimento desse insumo para
alimentar rebanhos em todo o semiárido, que subiu nos últimos meses,
cerca de 100%. Sem nenhum limite governamental, nenhuma regulação de
preços. Sem nenhuma atitude digna de que expresse coragem em favor dos
seus consumidores. Agem livres, inçados pela lei da oferta e da procura.
Pergunto: para que serve a CONAB? Por que não regular o preço desse
produto, como teoricamente fazem com o milho? Será que é porque a soja,
no grosso é produzido e comercializado por grandes corporações
multinacionais? Os insumos da agropecuária nordestina/sertaneja subiram
100%, sem nenhuma ação governamental ou jurídica que protegesse esses
consumidores, produtores do leite que consumimos.
Por que se emperram tanto os financiamentos para construções das
cisternas e de todo um conjunto de pequenas obras de estocagem de água e
alimentos para os povos e os bichos do semiárido? Medidas de custos
financeiros tão baixos e de alcance social altíssimos...
Para mim é tão claro que falta vontade e compromisso político, que não
me surpreendem mais os discursos demagógicos. Quanto não foi gasto na
obra da transposição? Que denunciávamos e continuamos denunciando como
inócua para a convivência com a seca no nosso semiárido e que poderia se
tornar num sumidouro de dinheiro como denunciam hoje os próprios
defensores daquela obra. Dinheiro que fez e faz falta para construir
adutoras a menos de 1 (um) quilômetro do São Francisco. Que poderia ter
construído diversas cisternas, silos e outras tecnologias de estocagem
de água e alimentos na região. Quanto de dinheiro não é retirado de
políticas públicas que poderiam preparar, técnica e materialmente, os
sertanejos para estocarem água, alimentos humanos e animais, para
enfrentar o período de estiagem com dignidade e tranqüilidade, como
muitos fazem por iniciativa própria em pleno território mais seco do
Brasil.
Conheço diversos agricultores que enfrentam a estiagem com certa
tranqüilidade. Preparados para ela. Realidade que poderia ser
generalizada Brasil afora, com custos baixíssimos comparados a certas
obras faraônicas. Mas a opção política ainda é a mesma: encher as burras
de empreiteiras, corporações, bancos e oligarquias, dando razões
atualizadas à Gilberto Gil e sua “Procissão”.
Jonas Duarte professor da Paraíba
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